Friday, 28 September 2007

The Prestige (2006)

de Christopher Nolan



Sempre me admirei com o trabalho de Christopher Nolan. Um trabalho consistente até agora e capaz de destruir as convenções do cinema norte-americano só podia vir de um estudante britânico com vontade de experimentar com a relação entre o público e a narrativa. Os seus filmes não são particularmente complexos, muito pelo contrário, mas ele sabe assegurar um nível mínimo de inteligência na estética da narrativa como se a própria obra dependesse (e depende) desse factor. E diverte-se, diverte-se mais do muitos outros realizadores.
Mas Nolan pode falhar. Todos os elogios que lhe deram desde Memento nunca poderiam conter a noção realizador único e futuro mestre do cinema, apenas alguém que prometia uma nova experiência ao espectador e conseguia exactamente isso. Criou uma adaptação de banda-desenhada com os pés mais acentes na terra (principal vantagem de Batman Begins) e fez um remake dentro da verdadeira etimologia da palavra (Insomnia adaptou à boa maneira de John Sturges o original norueguês em vez de o copiar passo-a-passo ou o ofender) mas nada dessas virtudes é capaz de pôr Nolan no panteão, muito menos no pedestal dos realizadores mais importantes do cinema norte-americano moderno. Atenção, ele é um óptimo realizador, eficaz acima de tudo, mas nada de ultra-original ou profundo que fique para a posteridade na lista dos clássicos intocáveis. Só que sabe bem ver os seus filmes e construir os puzzles, que é isso exactamente o que eles são, peças desconexas que têm que ser completadas pelo espectador para seu próprio prazer.
A diferença entre os seus filmes anteriores e este seu último é que pelo menos antes Nolan tratava tudo com precisão científica, até a suspensão de descrédito que o público é obrigar a ter e nunca enganava ninguém. Portanto que se passou com esta nova história? Primeiro está o livro em que The Prestige se baseou, portanto é necessário ser fiél à história, certo? Muitas vezes não, muita vez um filme não aguenta passos, personagens, tratamentos e resoluções que leva a que o núcleo da obra original tenha que ser simplificado e a partir daí construído passo-a-passo para complementar a estética original que o realizador planeou. Neste caso, dois mágicos rivais continuam uma eterna rotina de vingança entre um e outro que chega ao auge quando um deles cria um truque perfeito que parece contrariar verdadeiras leis da física. Ponto, o ponto-de-partida delineado devia ter servido para os dois irmãos Nolan escreverem o argumento e a partir daí puderem retirar todos os elementos que nunca funcionariam num filme de duas horas. Neste caso, o final. Depois de centena e meia de minutos de especulação e ansiedade pela resposta final, exige-se uma conclusão fiável e dentro do estilo que o filme todo andava a ter, mas o que Nolan nos dá é a resolução mais ridícula que se podia encontrar, uma parafernália de elementos inacreditáveis que não parecem fazer parte deste filme mas de uma obra de Stephen King.
É uma pena ter acabado com um sentimento e raiva, pena porque os dois primeiros actos são belíssimos e muito bem construído. Durante mais de metade do filme temos Christian Bale na prisão a ler o diário de Hugh Jackman a ler o diário de Christian Bale, portanto na boa tradição Nolan a acção salta de um lado ao outro, avança e recua, engana e revela obrigando-nos ao exercício mental de tentar situar todos os eventos naquele espaço de tempo. Ver filmes assim com a nossa mente ocupada dessa forma é extremamente compensatório, ao mesmo tempo que tentamos desmascarar as intenções do realizador sabemos que ele aproveita a distracção para nos surpreender ainda mais. Sim, o público gosta de ser enganado, não que o ofendam ou tomem por estúpido mas que simplesmente o enganem. Nos dois primeiros actos do filme tudo corre assim, sempre bem balançeado, nada de grande virtuosismo cinematográfico nem segundos sentidos - é um filme sobre isto e é isto que se passa. O problema começa na terceira parte quando já ninguém está a ler o diário de ninguém e só falta mesmo atar os nós. Completamente levado pelo seu próprio génio, Nolan pensa que é necessário deixar mais umas pistas de última hora para a resolução final e estica sequência atrás de sequência e repete-se e aos poucos parece que é ele que está atrás da mesa de montagem a pedir por mais em vez de reparar no público atrás de si que troca a impaciência por suspeita e depois por desinteresse. E é quando chegamos a essa fase que Nolan decide apresentar o duelo final com o primeiro mistério a ser despachado e, surpresa, tantas voltas que dá no terceiro acto que já toda a gente descobriu o que era mas nem isso impede que Bale estique a sua explicação por uns bons minutos sem noção nenhuma de pragmatismo cinematográfico, esse pragmatismo que era até então uma das armas mais poderosas da anterior cinematografia de Nolan. E então vem a resolução final, aquilo que estávamos à espera desdo primeiro twist (sim, o filme tem vários) é ridícula e cria um buraco gigantesco na finalidade de várias personagens finais. É como se Nolan nos tentasse surpreender com tanta força que tenha vendido as suas intenções ao diabo e acabado por se enganar a si próprio.

The Prestige é um filme que não consegue atingir a sua verdadeira finalização por causa de Nolan só. Os actores parecem acreditar no que estão a ver, Caine, Bale e Bowie são fortes nas suas interpretações ao contrário de Jackman e Johansson que vagueiam completamente sem rumo como se estivessem já a antever uma faca nas costas que Christopher, esse realizador a quem eu ainda ponho muitas das minhas esperanças, quis dar a todos os que virem o seu filme.

2 comments:

Ricardo Gonçalves said...

Só para dizer que já fiz o "plug" no meu blog, so check it out! :P

Em relação ao Nolan, bem, tenho-o como um dos realizadores actuais mais inventivos - não só pelo tour-de-force que é o Memento mas, também, pelo modo como conseguiu refrescar e retransformar a franchise Batman - e não é que se prepara para mostrar que o Heath Ledger é um Joker tão bom quanto o Jack Nicholson?

Em relação ao The Prestige, também não me deslumbrou, embora esteja longe de o considerar um filme fraco - simplesmente, quando se tem os filmes que citaste no currículo, espera-se sempre algo mais. Mas também não é algo que me ponha a duvidar dos seus feitos anteriores, e continuo ansioso pelo The Dark Night!

Rubi said...

"o público gosta de ser enganado, não que o ofendam ou tomem por estúpido mas que simplesmente o enganem"

Muito bem observado!