Saturday 25 October 2008

Brevemente

Gran Torino

Está aí o trailer do novo filme do Clint Eastwood. Não o The Changeling que está a chegar aos cinemas, mas Gran Torino, uma história interpretada por ele mesmo numa nova reflexão sobre a sua bela idade. O trailer está magnífico para quem gostaria de saber onde anda o Harry Callahan dos tempos passados de Eastwood.
É repetitivo continuar a glorificar o realizador/actor norte-americano dos últimos dez anos mas como nos traz sempre material assim tão bom também é difícil parar.
Trailer pode ser visto aqui.


Trick R Treat

Numa altura em que a Warner Bros. prepara a distribuição de um novo Saw é necessário analisar o estado do terror mainstream por terras norte-americanas. Os espanhóis vão surpreendendo com obras profundamente originais, os franceses trazem ao género a frescura do low-budget e as características mais simples. Os americanos estagnaram entre as sequelas do jigsaw e o género da tortura pornográfica. Ainda há mesmo público para mais um Saw? Havia ainda no primeiro por uma razão ou outra, e quanto mais os anos passam mais uma sequela brinda os espectadores numa completa violação do dia das bruxas, como se a festa norte-americana fosse da Warner Bros. e destes filmes já repetitivos que parecem existir só por uma tradição imposta por executivos.
Ainda por cima quando se sabe que a WB tem nos seus arquivos, desde o ano passado, um novo filme perfeitamente original que parece ser uma aposta arriscada que pelo trailer promete um regresso ao horror clássico de Hollywood. Todos os anos o filme passa em festivais de cinema fantástico no continente norte-americano e todos os anos vozes insurgem-se contra a WB por continuar a adiar a estreia deste Trick R Treat por uma nova entrada do universo Saw. E porquê? Quem é o público deste último? Quem ainda se interessa? Está aqui o que promete ser um novo fenómeno e ano após ano continuamos a receber mais do mesmo.
Dizem que Trick R Treat irá directamente para DVD mas como tudo aponta que não existem planos para um Saw VI para o próximo ano só resta esperar que 2009 seja finalmente o dia das bruxas que vamos poder ver 0 opus de Michael Dougherty.
Por enquanto fica o trailer.


The Curious Case of Benjamin Button


Um novo filme de David Fincher é sempre boa notícia para qualquer cinéfilo. Mesmo os seus filmes que mais polémica e discordância trazem (Alien 3 e Panic Room) não largam a característica visionária do realizador. Depois de um filme genial que infelizmente passou ao lado de muita gente, Zodiac, e que por aqui entrou logo no topo da classificação dos melhores filmes de Fincher, a expectativa de um novo trabalho é ainda maior à sentida depois de Seven. The Curious Case of Benjamin Button é baseado num conto de F. Scott Fitzgerald e conta a história de um homem que quanto mais envelhece mais jovem fica. O primeiro trailer dava muito pouco e parecia estar a querer vender um conto de fadas à là Tim Burton quando o mais provável é termos um Fincher romântico. O segundo trailer, no entanto, já ecoa clássico e promete um peso-pesado para a época natalícia.
Está aqui.


100Volta

Não sei o que dizer sobre este projecto sem querer ofender o realizador. Não é o tema que me causa mais problemas, é a fraca qualidade técnica em todos os domínios cinematográficos que me deixam a pensar na necessidade de um filme assim aparecer nas nossas salas. A realização parece dá ares de amadorismo, os actores são horrendos, a montagem atabalhoada, o som parece vir da câmara, os diálogos péssimos, a iluminação inexistente. E isto tudo só por um trailer? Admiro a perseverança de alguém que queira trabalhar e apostar tudo o que tem num projecto de sonho mas exijo um mínimo de controlo de qualidade para manter o filme, no mínimo, agradável à vista. Parece ter sido tudo filmado por uma pequena câmara de filmar género XLH1 o que poderia ser um aspecto positivo do filme caso se se trabalhasse de alguma forma a iluminação para além de fazer o balanço dos brancos na câmara. Pela primeira vez olho com nostalgia para o Fernando Fragata e lembro que embora seja um realizador e argumentista que parece falhar por completo o objectivo central do seu filme, é um técnico que sabe como visualizar um filme com profissionalismo.
Não sei se li alguras, se alguém me disse ou se terá sido num filme que vi, mas concordo que o cinema espanhol para chegar onde chegou teve que distribuir muito trabalho medíocre, esquecido e redundante. E por tal apoio qualquer iniciativa do ICA para oferecer financiamento (mesmo se for só para distribuição) a qualquer primeiro realizador que queira que o público veja a sua obra. Mas duvido que mesmo em Espanha se tenha chegado a este ponto, de quem se diz produtor/realizador/argumentista/operador de câmara/montador/Director de fotografia/editor de som e consegue fazer um trabalho péssimo em qualquer um destes domínios. É obra.

site com trailer aqui.

Friday 24 October 2008

Burn After Reading (2008)

De Joel e Ethan Coen


No futuro será difícil categorizar a filmografia dos irmãos Coen. Entre dramas construídos com olhos clínicos sobre os trejeitos da estupidez humana e sua perseverança a comédias absurdas sobre os trejeitos da estupidez humana e sua consequência, os Coens recusam-se a manter um nível sério e pedagógico de filme para filme. O que já nos têm vindo habituado, o amor dos irmãos está no cinema clássico que eles revisitam de filme para filme e os seus ecos vão de Kubrick, Eeling, Howard Hawks, Tex Avery, etc. São valores multifacetados e se daí vêm os maiores elogios à sua filmografia também é de lá que chegam as maiores vozes discordantes.
Vou apostar alto e dizer já que os Coen nunca fizeram um mau filme. Talvez comparando com o resto da sua obra, um Ladykillers ou um Intolerable Cruelty parecem tentativas falhadas, mas são males menores dentro de todo o universo da 7a arte. É tudo devido à forma como os irmãos trabalham, poços de ideias e conhecimento cinematográfico, são capazes de idealizar filmes dentro do imaginário que eles começaram a definir desde Blood Simple e nunca falhar o objectivo de construir todo um conceito tanto narrativo como visual. E são estas particularidades positivas que se deve focar quando sai um novo filme dos Coen, pode parecer que eles estão a querer fazer perder o nosso tempo mas qualquer filme que fizeram até agora e que farão no futuro é parte integrante de toda a obra apresentada e não imaginaria ela sem todas estas entradas.

Este novo Burn After Reading segue a tradição de uma comédia que segue um filme mais sério e de grande sucesso crítico. Vendo o palmarés dos irmãos até é curioso constatar que foram os seus trabalhos mais contemplativos que trouxeram mais sucessos e os colocaram no patamar das boas graças de festivais, logo é curioso apanhar o lado cómico e exagerado dos irmãos e vê-lo como um escapismo do seu verdadeiro "cinema". Mas entrar por essa porta seria renegar metade do trabalho dos quando mesmo na sua temática são encontram pontos de encontro. Voltando a dizer, eles são precursores do cinema clássico de Sunset Boulevard seja qual for o género que aborda.
Aqui estamos numa situação de comédia negra quase absurda. Osbourne Cox (John Malkovich) é despedido da CIA e prossegue a escrever as memórias contra todos os desejos da sua mulher (Tilda Swinton) que quer aproveitar qualquer oportunidade que tem para o deixar e viver com Harry Pfarrer (George Clooney). As memórias de Cox chegam por acaso às mãos de Linda Litzke (Frances McDormand) e Chad Feldheimer (Brad Pitt), dois trabalhores de um ginásio em Washington D.C. que acreditam ter na sua posse importante informação secreta da agência norte-americana. Mais personagens vão entrando na trama num seguimento quase ridículo de coincidências e mal-entendidos e o público é levado pela curiosidade de saber se haverá, no fim, alguém capaz de encontrar o sentido.
Tudo bem até agora, o público está sempre um passo à frente das personagens até ao fim quando se repara que nos encontramos a três quilómetros delas. Nada de mal, até que isto é um quase filme-mosaico na boa tradição que nos habituaram. É angustiante mas de uma boa forma e parte da comédia vem exactamente do absurdo burocrático.
O maior problema está na dúvida se os Coen foram mesmo tralhados para fazer as comédias que sempre quiseram fazer. Os diálogos não são propriamente hilariantes, e são só os actores e as indicações mise-en-scénicas deles que nos divertem. O tempo de cada situação cómica é completamente falhado pelos realizadores, mas vai-se dar o benefício da dúvida se tal é propositado ou não, e o fim tem um seguimento de ironia atrás de ironia como se servisse de punchline. A certo momento voltei a relembrar que os Coen provavelmente deveriam apostar na comédia física, algo que pode não agradar tanto aos irmãos pela perda de credibilidade, mas certos momentos deste filme e de outras comédias (lembro-me de The Ladykillers, por exemplo) são pequenos toques hilariantes de comédia quase Marxiana, pedaços de génio num filme quase esquizofrénico.
A estupidez é tema central em quase todos os filmes dos Coen mas é aqui que encontramos os exemplos mais fortes. Todas as personagens são movidas por objectivos estúpidos, a piada dos Coen está exactamente na tentativa de fazer cada personagem ter que responder pela parvoíce que andou a fazer durante o filme todo. Ao mais alto nível, e diria que com enorme classe, os Coen apontam baterias para vários orgãos da estrtutura social e governamental dos Estados Unidos da América. Da vaidade de Frances McDormand ao complexo de superioridade de John Malkovich, tudo é desculpa para os Coen poderem chamar de estúpidos as suas personagens. É divertido, não chegar a ser ácido nem propriamente pedagógico ou satírico o suficiente, mas pelo menos diverto é. A maior das ironias finais está na personagem de Ted Teffron (um magnífico Richard Jenkins), ele que parecia ser o mais sóbrio ou com objectivos mais saudáveis é também o que terá que pagar mais caro pelo embrulhado que todos os outros estúpidos andaram a preparar. As duas cenas finais incluem apenas as melhores personagens do filme (Malkovich, Jenkins e um sempre fabuloso J.K. Simmons) e revelam toda a força da comédia dos Coen - a física, a negra e a irónica.

São os actores a grande força motora do filme. São eles que interpretam o argumento com a dose suficiente de comédia, cada um com a sua estupidez própria. E estão todos tão bem que será impossível dar uma nota negativa ao filme. Os Coen safaram-se tanto porque não chegam a levar tudo a sério para serem acusados de qualquer coisa, e ainda porque souberam escolher bem a psicologia de cada personagem. Mesmo se no final nenhuma acaba por aprender alguma coisa e continuem todos incrivelmente estúpidos.
Uma última palavra para a fotografia do Lubezki. O meu director de fotografia vivo preferido desde que Conrad L. Hall nos deixou, está muito mal aproveitado numa comédia que só pede que ele mantenha um low-profile. Este homem é um génio técnico, usá-lo para um trabalho onde a fotografia não é uma necessidade artística é como pedir à Telma Schoonmaker para montar um filme que vá directamente para video, é como espetar caviar numa bifana e depois molhar tudo com mostarda. Não que ele tenha feito um mau trabalho, não seria capaz, mas estamos tão habituados a parar cada imagem que ele faz para contemplar a sua beleza e quanto ela faz sentido para o filme inteiro que apanhar assim um trabalho tão quase génerico é pesado para um fã do seu trabalho. Não quero aqui tirar qualquer valor aos Coen, mas a relação que tinham com o Roger Deakins já era tão boa que provavelmente o resultador teria saído melhor.

Tuesday 23 October 2007

Ratatouille (2007)

de Brad Bird


Brad Bird é um senhor animação, o maior génio do género que Hollywood vê a trabalhar desde que o Rob Minkoff e o Roger Alles provaram que, afinal, O Rei Leão teve mais de trabalho de equipa que das suas próprias mentes. Bird no entanto é cada vez o único pioneiro da animação de autor, é ele o criador de um dos filmes animados, infelizmente, mais esquecidos de sempre, O Gigante De Ferro, e de uma das grandes obra-primas dos estúdios Pixar, Os Invencíveis. E dizer ali que é um dos melhores filmes do estúdio é dizer muito visto que eu, de todas as longa-metragens já lançadas por eles, só ponho Carros de parte (sim, bom filme mas muito abaixo do que a lâmpada animada nos habituava). Mas antes de se ser esta revelação, Brad Bird era uma jovem promessa que aprendeu muito com a equipa de Groening nos The Simpsons (onde ele foi parte integrante da melhor temporada que a série já viu, a quarta) e argumentista apadrinhado por Steven Spielberg que pegou nele para a sua série Amazing Stories e aquele pequeno filme amoroso que ainda está presente na minha infância - Batteries Not Included. Ele merece todos os elogios que eu lhe possa dar, ninguém devolve ao cinema fantástico aquele olhar generoso e respeitador que me lembro de quando via filmes com seis ou sete anos. Ver um filme do Bird é, para mim, rever o E.T. com o Regresso Ao Futuro em sessão dupla, é a professora estar doente e a turma ficar na sala a ver Bernardo e Bianca na Cangurulândia, é relembrar o que me fez apaixonar por cinema ainda mal eu sabia o que era o cinema na realidade, antes de desenvolver o meu gosto e descobrir a génese da arte. Bird é o percursor desse cinema clássico norte-americano em estado puro que já tinha sido perdido pelos estúdios de animação mais interessados em repetir o modelo Shrek ad nauseum de atirar o gag à parede para ver se os putos se riem e aborrecer de morte o pai que os leva ao cinema. A verdade é que as crianças não são parvas, quem fez os clássicos da Disney (80% do que produziram na animação até ao Pocahontas) sabia isso, a Pixar sabe isso, os estúdios Aardman sabem isso mas ninguém o sabe tão bem como Brad Bird que puxa os seus limites em cada filme e está obcecado em trazer uma verdadeira experiência cinematográfica a todos os que se queiram entregar.
O salto que ele dá com este novo trabalho é, no entanto, revelador das capacidades infinitas de Bird. The Incredibles já era uma obra-prima, caro senhor, e quem viu ainda hoje se encanta quando fala de Iron Giant. Não era preciso provar nada, não era preciso nos dar um dos melhores filmes de animação da década que batalhará lado-a-lado com os maiores clássicos do cinema animado. Ratatouille é uma elogia ao bom gosto, passando o trocadilho com a história do filme, um pedaço pontuado por momentos mágicos daqueles que me voltavam a transportar ao tempo em que vi pela primeira vez Elliot na bicicleta a voar com a lua no fundo. E é acima de tudo respeito pelo espectador que pagou para ver um filme e não um saco de piadas e um filme levou para casa. E que filme. Que filme...
Contado pela voz de Remy, um rato do campo com um evoluído sentido de gosto e de cheiro e cujo herói é um histórico mestre de cozinha francês que luta contra o elitismo ao tentar convencer o mundo inteiro que toda a gente pode cozinhar. Remy separa-se do seu clã, do seu pai e irmão que não apoiam o interesse de Remy, e vê-se sozinho em Paris justamente debaixo do restaurante do falecido cozinheiro herói de Remy. Quando o rato de junta a um rapaz de limpezas que começou agora mesmo a trabalhar na cozinha, sai de lá uma amizade inesperada entre um rato que sabe cozinhar e um rapaz que...saber ser humano. Juntos tentam impedir o novo chefe de cozinha do restaurante de denegrir a imagem do histórico falecido e devolver ao restaurante as estrelas que merece tentando convencer o crítico Ego, cujo nome explica tudo sobre a personagem.
Não é o perfeitamente estruturado argumento nem a simpatia que temos pelas personagens que fazem desde Ratatouille um vencedor nato. É Bird que, qual mel para cinéfilos, nos dá algumas das mais belíssimas cenas que este ano verá. Remy a descobrir que está em Paris, Remy a tentar escapar-se dos perigos da cozinha e, principalmente, aquele magnífico final narrado por Peter O'Toole são um deleite para os sentidos e quantas vezes quiserem mais eficaz que qualquer posta de gags atirados ao público. Ainda mais notável é Bird saber não cair no dogmatismo norte-americano de "num filme para crianças não se deve mostrar isto ou aquilo", a tensão sexual entre Linguini e Colette está longe do livro de regras do produtor preocupado com os valores de família, a bebedeira de Linguini e consequente ressaca e mesmo próprio animal escolhido, o rato, que aqui não é limpo e caricaturado mas sujo, parasita e preparado para enfiar os dentes num pedaço de lixo homogéneo que, é de mim, ou se parecia um pouco com os hamburgueres de cadeias fast-food?
Ratatouille é de longe um dos melhores filmes deste ano e nem que apareçam 20 Casablancas até ao fim não acredito que lhe tirarão esta honra. O Óscar para a categoria está mais que dado, Bird deverá levar e impressiona tanto que me deixa mais do que nunca desejoso de ver o seu próximo projecto.

Tuesday 9 October 2007

Superbad (2007)

de Greg Mottola



O "Jewpack" começou em 1999 quando Judd Apatow criou uma das mais brilhantes comédias de adolescentes que a televisão norte-americana. Infelizmente o mundo ainda não estava preparado e Freaks & Geeks foi infelizmente cancelado, mas Apatow tinha conseguido juntar um grupo de pessoas encabeçadas pelo multi-talentoso Seth Rogen e só precisaríamos de uns anos para que ele chegasse ao cinema com uma das comédias mais injustamente esquecidas no nosso país, 40-Year Old Virgin com um Steve Carell a começar a sua carreira no grande ecrã. O grupo volta atacar com a junção de alguns da equipa de outra fabulosa série de comédia norte-americana também cancelada prematuramente, Arrested Development, e o resultado chegou este ano. Esta produzida por Apatow e escrita por Rogen sai ao mesmo tempo que outro filme, Knocked Up, realizado por Apatow e protagonizada por Rogen e as duas (ainda não vi esta segunda) tomaram o verão norte-americano batendo os muito antecipados blockbusters e terceiros capítulos de sagas já edificadas e multi-milionárias.
A receita está no humanismo do "jewpack" que não para de nos surpreender na incisão das suas narrativas. Os filmes são feitos com o maior respeito pelas suas personagens e a tentativa de evitar em cair em lugares-comum, saída tão fácil para as comédias adolescentes. Sem seguir a linha do escatológico, Superbad é tudo aquilo que Judd Apatow e o seu grupo sempre nos habituaram e só essa simplicidade que eles nos costumam dar devia ser mais que motivo para que se começasse, de uma vez por todas, a dar valor a estes pioneiros da nova comédia americana.
A história segue um dia de dois rapazes, dois grandiosos Michael Cera e Jonah Hill, enquanto tentam arranjar álcool para uma festa para assim conquistar as raparigas-alvo para as suas primeiras experiências sexuais. A premissa parece ser American Pie de regresso, mas o argumento de Seth Rogen e as fabulosas interpretações de Cera, Hill e a grande revelação Christopher Mintz-Plasse (no já histórico McLovin) não deixam o filme ser apenas e só a premissa e ainda estamos nos créditos iniciais e já fica a sensação que existe algo de novo, quando o primeiro diálogo arranca, Jonah ao telefone com o Michael sobre que site porno ele se vai inscrever, a chapada de sinceridade ataca o espectador. Todas as personagens que aqui estão não são apenas imagens dos elementos da nossa adolescência nem ninguém se comporta daquela forma tão vã e desinteressante que Hollywood tanto gosta de apelas: não há feios nem bonitos, nem gordos nem magros, todas as personagens são iguais a si mesmas logo iguais a nós próprios. As mesmas inseguranças, o mesmo desespero de quem já teve 16 anos e as mesmas conversas repletas de linguagem menos própria porque, no fim, é assim que todos nós somos.
Apatow é só o produtor mas o espírito dele flutua na obra inteira como se ele confirmasse o seu estatuto de guro. No entanto é Rogen que, como argumentista e no papel de um dos polícias amigos de Fogell (McLovin a.k.a. Mintz-Plasse), se revela. O seu argumento é dos mais simples e sinceros que já se viu num filme de adolescentes desde o histórico The Breakfast Club de John Hughes e o seu sentido de humor é tão exagerado que tudo o que sai da boca de Jonah Hill parece ter saído, um dia, da de Seth Rogen.

Superbad está na pole-position das melhores comédias do ano. Acredito que muita gente não queira admitir o seu valor por ele atravessa aquela ténue linha de todos os outros filmes de adolescentes, mas nenhum deles tem o humanismo deste e nenhum deles admite que a temática principal é sexo porque quando estamos naquela idade não pensamos noutra coisa.

Salvé Apatow e o seu grupo. Quem ainda não os segue com devoção, que comece. Eu já aderi ao clube de fãs há muito tempo.

Saturday 6 October 2007

Cinema Sul-Coreano

The Isle (2001)
de Kim Ki Duk


No começo do novo século era o cinema japonês que andava a mexer com o mundo. Não só no género do terror cujas novas normas foram inventadas pelo país do sol nascente (e desde então repetidas em todo o lado ad nauseum) mas também no reconhecimento crítico noutros pontos desde que Takeshi Kitano refazia os filmes dos yakuza no anos 90. A Coreia do Sul era apenas a "irmã mais nova"que se limitava a tentar aparecer no renascido mercado asiático. Não foi preciso esperar muito tempo para que o sul-coreanos chegassem à pole-position, se revelassem mais inovadores e são agora vários os realizadores desse país que os amantes do cinema asiático seguem com devoção, e cada vez menos artistas japoneses na lista.
Um dos pioneiros foi Kim Ki Duk que com este O Bordel Do Lago (triste título português dado, provavelmente, por quem não prestou atenção ao filme) anúncio a sua incursão pelo ecrãs mundiais numa carreira que até agora só se prova como muito bem sucedida.
A maior curiosidade foi como este filme entrou no mercado internacional, dentro de pacotes de cinema fantástico, que mais tarde, com os filme seguintes de Ki Duk, o catálogo seria provado erróneo quanto à verdadeira natureza do realizador. Compreendo porquê, no mesmo ano audition de Takashi Miike estava a fazer os mesmos festivais e as comparações entre os dois eram inevitáveis - os dois são duas histórias de amor condenado pautado por várias cenas de mutilação e tudo com um background daquela sensibilidade asiática que parece por vezes inatingíveis para nós, europeus.
A diferença entre os dois prova, no entanto, que o sul-coreano não se iria ficar pelos filmes de culto fantástico: os sentimentos das personagens de Ki Duk são centrais à narrativa e as cenas de mutilação somente consequências das suas acções.
Passado num enorme lago na Coreia do Sul onde homens se retiram para pequenas casinhas flutuantes espalhadas pelo centro do mesmo, Seom segue a jovem rapariga muda que trata dos ricos pescadores - leva-os para as suas respectivas casas no seu pequeno barco, transporta as prostitutas que eles encomendam por uma noite e por vezes dá ela favores sexuais por uns trocos mais. A chegada de um homem misterioso que não vai lá para pescar muda a rotina dela que se começa a apaixonar por ele aos bocados. E enquanto o tempo passa e eles se vão entre ajudando acabam por descobrir até onde são capazes de se auto-sacrificarem para que se possam escapar das consequências dos seus actos.
A falta de diálogos pelas personagens principais leva a acreditar que para Ki Duk a palavra é um bem desnecessário, quando o próprio protagonista descobre isso executa uma acção chocante que não por salva a sua vida como o aproxima da rapariga. Mas é Ki Duk quem prega essa filosofia, o seu filme é contemplativo mesmo em cenas de violação ou quando as personagens usam anzóis para outra coisa que não pescar.
Mas poderoso é o final, o último plano deixa o público a coçar a cabeça com a metáfora apresentada. Ki Duk gere tão bem a história que quando nos dá aquela conclusão obriga-nos a uma reflexão sobre o sacrifício espontâneo numa belíssima conclusão para esta história contemplativa.

Oldboy (2003)
de Chan-wook Park


Foi já há quatro anos que o cinema sul-coreano se edificou nas massas de uma forma que nem os contemporâneos japoneses tinha conseguido. E a grande confirmação foi este tour-de-force que já foi tão falado e escrito que é difícil encontrar alguém que goste de cinema que nunca tenha visto este segundo capítulo da trilogia da vingança de Park.
Baseado num manga japonês, Oldboy segue Oh Dae Su desde o dia em que é raptado nos anos 80, encarcerado num pequeno quarto, libertado 15 anos depois e a procura da vingança pelo responsável desse acto barbárico que o destruiu a sua vida. Mascarado pela vingança cega de Dae Su (cuja complexa resolução final revela um ainda maior acto de vingança do prevaricador final) o filme contrasta as duas Coreias-do-Sul, a sub-desenvolvida dos anos 80 e a nova moderna quase grande potência económica mundial. Com reflexos da antiga subjugação japonesa, a nova Coreia Do Sul é um local desconhecido para Dae Su da mesma forma que é para quem ainda se lembra do jovem país ocupado por forças japonesas antes da IIª Grande Guerra e como o país que renasceu das cinzas ainda guarda um certo rancor pelo passado, ironia das ironias, esta história-reflexo da Coreia parte uma premissa escrita por japoneses.
Ao longo dos anos Oldboy tem percorrido o mundo e encontrado fãs em todo o lado. De Tarantino que deu a Park o Grande Prémio do Júri em Cannes ao fenómeno criado por novos cinéfilos que elevaram este filme não só ao culto mas também ao panteão dos melhores filmes desta nova década. Dou-lhe todo o valor, claro. A dureza, e principalmente, frieza da história é elevada ao cubo na personagem de Dae Su, um protagonista que nem na categoria de anti-herói se consegue inserir é um bêbado desgraçado no começo e termina como alguém sem valores nenhuns cuja decisão final acaba por ser muito mais chocante que o próprio twist que o espera antes. Aliás, de certa forma é o vilão quem mais simpatia traz ao público, a dor que o atravessa é bem mais forte que a de Dae Su e a sua conclusão mais honorável.
Que dizer mais? Oldboy pôs definitivamente a Coreia do Sul no mapa e até agora nenhuma outra cinematografia asiática é tão excitante quanto a do sul da pequena península.

Friday 5 October 2007

Obituário

Morreu Charles B. Griffith

O escriba de vários filmes de série B trabalhou com o mestre Roger Corman em clássicos como The Little Shop Of Horrors original e Bucket Of Blood e ainda um dos co-autores de Death Race 2000. Há mais de uma década que não apresentava novos trabalhos mas o mundo da cinefilia está de luto em honra deste argumentista/realizador/produtor/actor.

Planes, Trains And Automobiles

de John Hughes



É sempre uma tarefa quase ingrata analisar os filmes de Hughes. Ele que é conhecido por estar, no site do imdb, na lista dos melhores e dos piores filmes edificou-se como o mais importante realizador dos anos 80. Não em termos técnicos nem muito menos por ser um pioneiro mas as suas obras dessa década foram marcos para uma juventude que agora goza a idade adulta, ainda hoje até Matt Groening aponta referências atrás de referências ao seu amor por Breakfast Club e se em Portugal o realizador é esquecido para filmes da tarde da TVI nunca é demais relembrar que houve uma altura em que os adolescentes eram protagonistas sérios, o Steve Martin tinha piada e o John Candy era o tio que todos queríamos ter.
Planes, Trains And Automobiles não é a sua melhor obra. Será até daquelas que se podem considerar prazeres escondidos dentro da sua obra. Admito que não seja a área que Hughes controlasse melhor (ele domina a vida no liceu melhor que os "buddy movies") e que a promessa de Martin com Candy faça parecer que temos uma comédia de génio nas mãos mesmo quando no fim temos pura e simplesmente um "road movie" simples sem pretensões. É essa a palavra-chave da melhor cinematografia Hughesiana - falta de pretensões e apenas manter o espírito de uma história simples sem tentar exagerar nos mecanismos.
Passando uns dias antes do dia de Acção de Graças, o filme segue Neal Page (Steven Martin) enquanto tenta chegar a tempo para jantar com a família no feriado norte-americano. Mas uma série de azares atrasam constantemente os planos de Page que é obrigado a aceitar a ajuda do bem intencionado Del Griffith (John Candy), antípoda de Page mas com bom coração, claro. Premissa aceitável para uma série de acontecimentos ridículos com soluções delirantes. Sim, é o mesmo esquema de sempre mas com o bónus de estar um adorado ao leme, John Hughes é tão eficaz que não se pode ficar ofendido nem aborrecido com os seus filmes mas acima de tudo é a altura em que o filme foi feito. Ver este Planes, Trains and Automobiles é como pegar naqueles filmes que viamos quando tínhamos 7 anos só que ao contrário de Karate Kid, por exemplo, o filme não perde nenhum do seu encanto nem aparente vestígios de fraca qualidade.
É SÓ uma pequena obra eficaz à qual não se pode apontar nada de concreto e que ainda nos consegue dar algo de mais satisfatório que uma sensação de nostalgia.


(vou tentar fazer mais cinco posts até terça-feira para compensar o tempo perdido. O lado obscuro é não poder voltar a escrever os testamentos que antes fazia mas aí até deixo de gastar tanto o vosso tempo)