de Kevin Macdonald
Começo a ter uma predilecção pelos dramas/thrillers passados em África que começam a sair do cinema americano. Hotel Rwanda já tinha sido para mim uma surpresa enorme, onde esperava um filme para Don Cheadle ganhar reconhecimento acabei por ver uma história crua como aquelas se devia contar sobre este continente antes de o romantizar como Sydney Pollack. Depois veio The Constant Gardner, de Fonseca Meirelles, que já esperava ser bom e não fiquei desiludido. Todos estes filmes unem-se numa única particularidade, a afirmação do indecente abuso que o continente é submetido por parte dos países desenvolvidos, nada que não fosse já senso-comum mas o pensamento colectivo é uma coisa e a intervenção artística é outra, a segunda mais eficaz e primeiro passo para quem de facto tem poder para mudar as políticas para com África possa começar a acção. Claro que não é assim tão evidente mas o facto de começarmos a ter um ressurgimento de filmes com esta temática parece mostrar uma impaciência para com as poucas medidas tomadas. E sim, é entretenimento mas é alguma coisa.
Tenho a consciência do pouco poder que a intervenção artística tem, um filme tem o poder de nos fazer pensar durante os minutos seguintes antes que voltemos a reagir como se nada passasse. Mas pelo menos imprimiu-se para a posteridade um relato contestatário de uma qualquer injustiça ou erros passados constantemente repetidos, sejam as experiências das farmacêuticas em África, apoio a ditadores cruéis, relatos de tortura por parte de países industrializados e todos outros crimes contra a humanidade cometidos. É importante que o público se sente no cinema com um balde de pipocas e testemunhe, é bem melhor que ser estupidificado por comédias por comédias entorpecidas ou acção parca em inteligência.
The Last King Of Scotland foi um dos títulos proclamados pelo ditador ugandês Idi Amin Dada (Forest Whitaker) nos anos 70. Uma personagem rebelde que tomou conta do país num golpe de estado e aos poucos caía numa espiral de paranóia e violência insensível. A sua imagem eram completamente denegrida pelos media europeus e americanos, chamavam-lhe de canibal e palhaço mas pareciam todos virar aos olhos às atrocidades de Amin. O relato do filme é fictício até certo ponto, a história do jovem médico escocês que se torna conselheiro pessoal de Idi Amin não é verdadeira mas relaciona-se com as relações internacionais entre a Inglaterra e o governo do ditador ugandês da mesma forma que o hotel de Cheadle em Hotel Rwanda simbolizava a mão belga na ex-colónia. Visto do ponto de vista do jovem Nicholas Garrigan (James McAvoy) a relação com o chefe de estado vai-se deturpando, se no início ele confia no governo e mostra-se interessado no progresso do país mais tarde enquanto casos verídicos se vão revelando e as atrocidades chegam aos seus olhos ele tenta fugir e largar o país naquelas mãos sangrentas. É extremamente in your face, sim, mas o objectivo do filme é exactamente esse. Aliás, não é de admirar que o governo e o povo ugandês tenha apoiado tanto esta produção admitindo ser importante que um olho de fora venha analisar o que aconteceu ao pequeno país do centro de África.
Mas o filme consegue ser mais cru e brutal do que seria de esperar. Não se fica pelo choque das intervenções estrangeiras como em Constant Gardner ou pela luta da sobrevivência do filme de Cheadle. Kevin Macdonald quer dar um passo ainda mais chocante, ele que já tinha feito o belíssimo "pseudo-documentário" Touching The Void não abre a mão e atira todo o grafismo brutal para fazer jus à exploração de Idi Amin. O filme é constantemente pontuado por cenas de violência gráfica puríssimas, quer seja a mutilação de uma das personagens ou a tortura final de Nicholas numa sequência nada normal para um filme desta estatura.
Dos actores já se disse quase tudo. Forest Whitaker vence o seu Óscar mais que merecido mas dou os meus parabéns a Macdonald pela fabulosa escolha do casting. Mais conhecido pelo seu olhar triste e melancólico, imagino que Whitaker não fosse a primeira escolha para este projecto já que ele é normalmente conotado com o vilão redimido que prima pelos seus sentimentos (Ghost Dog, Panic Room). Mas aqui os seus olhos conseguem ser mais incisivos que nunca e se a actuação dele de método não fosse já suficiente as características físicas não entram na caricatura mas no medo e instabilidade que Idi Amin provocava em toda a gente.
Depois deste espero ver num futuro próximo Blood Diamond pela mesma temática. Afinal há uma necessidade político-social para este tipo de filmes e enquanto o entretenimento não ultrapassar a importante mensagem está-se num bom caminho para um novo género de filmes de intervenção política global.
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