de Brad Bird
Brad Bird é um senhor animação, o maior génio do género que Hollywood vê a trabalhar desde que o Rob Minkoff e o Roger Alles provaram que, afinal, O Rei Leão teve mais de trabalho de equipa que das suas próprias mentes. Bird no entanto é cada vez o único pioneiro da animação de autor, é ele o criador de um dos filmes animados, infelizmente, mais esquecidos de sempre, O Gigante De Ferro, e de uma das grandes obra-primas dos estúdios Pixar, Os Invencíveis. E dizer ali que é um dos melhores filmes do estúdio é dizer muito visto que eu, de todas as longa-metragens já lançadas por eles, só ponho Carros de parte (sim, bom filme mas muito abaixo do que a lâmpada animada nos habituava). Mas antes de se ser esta revelação, Brad Bird era uma jovem promessa que aprendeu muito com a equipa de Groening nos The Simpsons (onde ele foi parte integrante da melhor temporada que a série já viu, a quarta) e argumentista apadrinhado por Steven Spielberg que pegou nele para a sua série Amazing Stories e aquele pequeno filme amoroso que ainda está presente na minha infância - Batteries Not Included. Ele merece todos os elogios que eu lhe possa dar, ninguém devolve ao cinema fantástico aquele olhar generoso e respeitador que me lembro de quando via filmes com seis ou sete anos. Ver um filme do Bird é, para mim, rever o E.T. com o Regresso Ao Futuro em sessão dupla, é a professora estar doente e a turma ficar na sala a ver Bernardo e Bianca na Cangurulândia, é relembrar o que me fez apaixonar por cinema ainda mal eu sabia o que era o cinema na realidade, antes de desenvolver o meu gosto e descobrir a génese da arte. Bird é o percursor desse cinema clássico norte-americano em estado puro que já tinha sido perdido pelos estúdios de animação mais interessados em repetir o modelo Shrek ad nauseum de atirar o gag à parede para ver se os putos se riem e aborrecer de morte o pai que os leva ao cinema. A verdade é que as crianças não são parvas, quem fez os clássicos da Disney (80% do que produziram na animação até ao Pocahontas) sabia isso, a Pixar sabe isso, os estúdios Aardman sabem isso mas ninguém o sabe tão bem como Brad Bird que puxa os seus limites em cada filme e está obcecado em trazer uma verdadeira experiência cinematográfica a todos os que se queiram entregar.
O salto que ele dá com este novo trabalho é, no entanto, revelador das capacidades infinitas de Bird. The Incredibles já era uma obra-prima, caro senhor, e quem viu ainda hoje se encanta quando fala de Iron Giant. Não era preciso provar nada, não era preciso nos dar um dos melhores filmes de animação da década que batalhará lado-a-lado com os maiores clássicos do cinema animado. Ratatouille é uma elogia ao bom gosto, passando o trocadilho com a história do filme, um pedaço pontuado por momentos mágicos daqueles que me voltavam a transportar ao tempo em que vi pela primeira vez Elliot na bicicleta a voar com a lua no fundo. E é acima de tudo respeito pelo espectador que pagou para ver um filme e não um saco de piadas e um filme levou para casa. E que filme. Que filme...
Contado pela voz de Remy, um rato do campo com um evoluído sentido de gosto e de cheiro e cujo herói é um histórico mestre de cozinha francês que luta contra o elitismo ao tentar convencer o mundo inteiro que toda a gente pode cozinhar. Remy separa-se do seu clã, do seu pai e irmão que não apoiam o interesse de Remy, e vê-se sozinho em Paris justamente debaixo do restaurante do falecido cozinheiro herói de Remy. Quando o rato de junta a um rapaz de limpezas que começou agora mesmo a trabalhar na cozinha, sai de lá uma amizade inesperada entre um rato que sabe cozinhar e um rapaz que...saber ser humano. Juntos tentam impedir o novo chefe de cozinha do restaurante de denegrir a imagem do histórico falecido e devolver ao restaurante as estrelas que merece tentando convencer o crítico Ego, cujo nome explica tudo sobre a personagem.
Não é o perfeitamente estruturado argumento nem a simpatia que temos pelas personagens que fazem desde Ratatouille um vencedor nato. É Bird que, qual mel para cinéfilos, nos dá algumas das mais belíssimas cenas que este ano verá. Remy a descobrir que está em Paris, Remy a tentar escapar-se dos perigos da cozinha e, principalmente, aquele magnífico final narrado por Peter O'Toole são um deleite para os sentidos e quantas vezes quiserem mais eficaz que qualquer posta de gags atirados ao público. Ainda mais notável é Bird saber não cair no dogmatismo norte-americano de "num filme para crianças não se deve mostrar isto ou aquilo", a tensão sexual entre Linguini e Colette está longe do livro de regras do produtor preocupado com os valores de família, a bebedeira de Linguini e consequente ressaca e mesmo próprio animal escolhido, o rato, que aqui não é limpo e caricaturado mas sujo, parasita e preparado para enfiar os dentes num pedaço de lixo homogéneo que, é de mim, ou se parecia um pouco com os hamburgueres de cadeias fast-food?
Ratatouille é de longe um dos melhores filmes deste ano e nem que apareçam 20 Casablancas até ao fim não acredito que lhe tirarão esta honra. O Óscar para a categoria está mais que dado, Bird deverá levar e impressiona tanto que me deixa mais do que nunca desejoso de ver o seu próximo projecto.
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3 comments:
Confesso que não vi o filme em questão e, portanto, não posso pôr-me aqui a dissertar sobre as suas qualidades ou ausência destas... PORÉM, há um ponto que não posso deixar de comentar: não são precisos 20 Casablancas, para encontrarmos o filme de animação do ano, basta darmos uma vista de olhos a uma magnífica pérola chamada "Paprika" de um certo senhor que dá pelo nome de Satoshi Kon. Provavelmente não ganhará o Oscar, nem será nomeado (não se encaixa de maneira alguma naquilo que a Academia considera um "filme de animação à boa maneira antiga"), mas não deixa de ser um dos mais desconcertantes e fascinantes objectos cinematográficos (repara que não me estou a limitar à animação...) destes últimos dois anos.
Desculpa, mas não resisti! :P
P.S. - Já deveria ter escrito um post sobre o Paprika há umas semanas, mas espero que esteja para breve...
Tens razão, "paprika" está como este "ratatouille", os dois têm lugar marcado na lista dos melhores do ano.
Mas há algo que mágico que evoca a minha criança interior no filme do Brad Bird que foi como deitar um último condimento...quando vires o filme percebes, é como quando o crítico Anton Ego come o Ratatouille e o que acontece então é exactamente o que senti.
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