Friday, 24 October 2008

Burn After Reading (2008)

De Joel e Ethan Coen


No futuro será difícil categorizar a filmografia dos irmãos Coen. Entre dramas construídos com olhos clínicos sobre os trejeitos da estupidez humana e sua perseverança a comédias absurdas sobre os trejeitos da estupidez humana e sua consequência, os Coens recusam-se a manter um nível sério e pedagógico de filme para filme. O que já nos têm vindo habituado, o amor dos irmãos está no cinema clássico que eles revisitam de filme para filme e os seus ecos vão de Kubrick, Eeling, Howard Hawks, Tex Avery, etc. São valores multifacetados e se daí vêm os maiores elogios à sua filmografia também é de lá que chegam as maiores vozes discordantes.
Vou apostar alto e dizer já que os Coen nunca fizeram um mau filme. Talvez comparando com o resto da sua obra, um Ladykillers ou um Intolerable Cruelty parecem tentativas falhadas, mas são males menores dentro de todo o universo da 7a arte. É tudo devido à forma como os irmãos trabalham, poços de ideias e conhecimento cinematográfico, são capazes de idealizar filmes dentro do imaginário que eles começaram a definir desde Blood Simple e nunca falhar o objectivo de construir todo um conceito tanto narrativo como visual. E são estas particularidades positivas que se deve focar quando sai um novo filme dos Coen, pode parecer que eles estão a querer fazer perder o nosso tempo mas qualquer filme que fizeram até agora e que farão no futuro é parte integrante de toda a obra apresentada e não imaginaria ela sem todas estas entradas.

Este novo Burn After Reading segue a tradição de uma comédia que segue um filme mais sério e de grande sucesso crítico. Vendo o palmarés dos irmãos até é curioso constatar que foram os seus trabalhos mais contemplativos que trouxeram mais sucessos e os colocaram no patamar das boas graças de festivais, logo é curioso apanhar o lado cómico e exagerado dos irmãos e vê-lo como um escapismo do seu verdadeiro "cinema". Mas entrar por essa porta seria renegar metade do trabalho dos quando mesmo na sua temática são encontram pontos de encontro. Voltando a dizer, eles são precursores do cinema clássico de Sunset Boulevard seja qual for o género que aborda.
Aqui estamos numa situação de comédia negra quase absurda. Osbourne Cox (John Malkovich) é despedido da CIA e prossegue a escrever as memórias contra todos os desejos da sua mulher (Tilda Swinton) que quer aproveitar qualquer oportunidade que tem para o deixar e viver com Harry Pfarrer (George Clooney). As memórias de Cox chegam por acaso às mãos de Linda Litzke (Frances McDormand) e Chad Feldheimer (Brad Pitt), dois trabalhores de um ginásio em Washington D.C. que acreditam ter na sua posse importante informação secreta da agência norte-americana. Mais personagens vão entrando na trama num seguimento quase ridículo de coincidências e mal-entendidos e o público é levado pela curiosidade de saber se haverá, no fim, alguém capaz de encontrar o sentido.
Tudo bem até agora, o público está sempre um passo à frente das personagens até ao fim quando se repara que nos encontramos a três quilómetros delas. Nada de mal, até que isto é um quase filme-mosaico na boa tradição que nos habituaram. É angustiante mas de uma boa forma e parte da comédia vem exactamente do absurdo burocrático.
O maior problema está na dúvida se os Coen foram mesmo tralhados para fazer as comédias que sempre quiseram fazer. Os diálogos não são propriamente hilariantes, e são só os actores e as indicações mise-en-scénicas deles que nos divertem. O tempo de cada situação cómica é completamente falhado pelos realizadores, mas vai-se dar o benefício da dúvida se tal é propositado ou não, e o fim tem um seguimento de ironia atrás de ironia como se servisse de punchline. A certo momento voltei a relembrar que os Coen provavelmente deveriam apostar na comédia física, algo que pode não agradar tanto aos irmãos pela perda de credibilidade, mas certos momentos deste filme e de outras comédias (lembro-me de The Ladykillers, por exemplo) são pequenos toques hilariantes de comédia quase Marxiana, pedaços de génio num filme quase esquizofrénico.
A estupidez é tema central em quase todos os filmes dos Coen mas é aqui que encontramos os exemplos mais fortes. Todas as personagens são movidas por objectivos estúpidos, a piada dos Coen está exactamente na tentativa de fazer cada personagem ter que responder pela parvoíce que andou a fazer durante o filme todo. Ao mais alto nível, e diria que com enorme classe, os Coen apontam baterias para vários orgãos da estrtutura social e governamental dos Estados Unidos da América. Da vaidade de Frances McDormand ao complexo de superioridade de John Malkovich, tudo é desculpa para os Coen poderem chamar de estúpidos as suas personagens. É divertido, não chegar a ser ácido nem propriamente pedagógico ou satírico o suficiente, mas pelo menos diverto é. A maior das ironias finais está na personagem de Ted Teffron (um magnífico Richard Jenkins), ele que parecia ser o mais sóbrio ou com objectivos mais saudáveis é também o que terá que pagar mais caro pelo embrulhado que todos os outros estúpidos andaram a preparar. As duas cenas finais incluem apenas as melhores personagens do filme (Malkovich, Jenkins e um sempre fabuloso J.K. Simmons) e revelam toda a força da comédia dos Coen - a física, a negra e a irónica.

São os actores a grande força motora do filme. São eles que interpretam o argumento com a dose suficiente de comédia, cada um com a sua estupidez própria. E estão todos tão bem que será impossível dar uma nota negativa ao filme. Os Coen safaram-se tanto porque não chegam a levar tudo a sério para serem acusados de qualquer coisa, e ainda porque souberam escolher bem a psicologia de cada personagem. Mesmo se no final nenhuma acaba por aprender alguma coisa e continuem todos incrivelmente estúpidos.
Uma última palavra para a fotografia do Lubezki. O meu director de fotografia vivo preferido desde que Conrad L. Hall nos deixou, está muito mal aproveitado numa comédia que só pede que ele mantenha um low-profile. Este homem é um génio técnico, usá-lo para um trabalho onde a fotografia não é uma necessidade artística é como pedir à Telma Schoonmaker para montar um filme que vá directamente para video, é como espetar caviar numa bifana e depois molhar tudo com mostarda. Não que ele tenha feito um mau trabalho, não seria capaz, mas estamos tão habituados a parar cada imagem que ele faz para contemplar a sua beleza e quanto ela faz sentido para o filme inteiro que apanhar assim um trabalho tão quase génerico é pesado para um fã do seu trabalho. Não quero aqui tirar qualquer valor aos Coen, mas a relação que tinham com o Roger Deakins já era tão boa que provavelmente o resultador teria saído melhor.

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