de Brad Bird
Brad Bird é um senhor animação, o maior génio do género que Hollywood vê a trabalhar desde que o Rob Minkoff e o Roger Alles provaram que, afinal, O Rei Leão teve mais de trabalho de equipa que das suas próprias mentes. Bird no entanto é cada vez o único pioneiro da animação de autor, é ele o criador de um dos filmes animados, infelizmente, mais esquecidos de sempre, O Gigante De Ferro, e de uma das grandes obra-primas dos estúdios Pixar, Os Invencíveis. E dizer ali que é um dos melhores filmes do estúdio é dizer muito visto que eu, de todas as longa-metragens já lançadas por eles, só ponho Carros de parte (sim, bom filme mas muito abaixo do que a lâmpada animada nos habituava). Mas antes de se ser esta revelação, Brad Bird era uma jovem promessa que aprendeu muito com a equipa de Groening nos The Simpsons (onde ele foi parte integrante da melhor temporada que a série já viu, a quarta) e argumentista apadrinhado por Steven Spielberg que pegou nele para a sua série Amazing Stories e aquele pequeno filme amoroso que ainda está presente na minha infância - Batteries Not Included. Ele merece todos os elogios que eu lhe possa dar, ninguém devolve ao cinema fantástico aquele olhar generoso e respeitador que me lembro de quando via filmes com seis ou sete anos. Ver um filme do Bird é, para mim, rever o E.T. com o Regresso Ao Futuro em sessão dupla, é a professora estar doente e a turma ficar na sala a ver Bernardo e Bianca na Cangurulândia, é relembrar o que me fez apaixonar por cinema ainda mal eu sabia o que era o cinema na realidade, antes de desenvolver o meu gosto e descobrir a génese da arte. Bird é o percursor desse cinema clássico norte-americano em estado puro que já tinha sido perdido pelos estúdios de animação mais interessados em repetir o modelo Shrek ad nauseum de atirar o gag à parede para ver se os putos se riem e aborrecer de morte o pai que os leva ao cinema. A verdade é que as crianças não são parvas, quem fez os clássicos da Disney (80% do que produziram na animação até ao Pocahontas) sabia isso, a Pixar sabe isso, os estúdios Aardman sabem isso mas ninguém o sabe tão bem como Brad Bird que puxa os seus limites em cada filme e está obcecado em trazer uma verdadeira experiência cinematográfica a todos os que se queiram entregar.
O salto que ele dá com este novo trabalho é, no entanto, revelador das capacidades infinitas de Bird. The Incredibles já era uma obra-prima, caro senhor, e quem viu ainda hoje se encanta quando fala de Iron Giant. Não era preciso provar nada, não era preciso nos dar um dos melhores filmes de animação da década que batalhará lado-a-lado com os maiores clássicos do cinema animado. Ratatouille é uma elogia ao bom gosto, passando o trocadilho com a história do filme, um pedaço pontuado por momentos mágicos daqueles que me voltavam a transportar ao tempo em que vi pela primeira vez Elliot na bicicleta a voar com a lua no fundo. E é acima de tudo respeito pelo espectador que pagou para ver um filme e não um saco de piadas e um filme levou para casa. E que filme. Que filme...
Contado pela voz de Remy, um rato do campo com um evoluído sentido de gosto e de cheiro e cujo herói é um histórico mestre de cozinha francês que luta contra o elitismo ao tentar convencer o mundo inteiro que toda a gente pode cozinhar. Remy separa-se do seu clã, do seu pai e irmão que não apoiam o interesse de Remy, e vê-se sozinho em Paris justamente debaixo do restaurante do falecido cozinheiro herói de Remy. Quando o rato de junta a um rapaz de limpezas que começou agora mesmo a trabalhar na cozinha, sai de lá uma amizade inesperada entre um rato que sabe cozinhar e um rapaz que...saber ser humano. Juntos tentam impedir o novo chefe de cozinha do restaurante de denegrir a imagem do histórico falecido e devolver ao restaurante as estrelas que merece tentando convencer o crítico Ego, cujo nome explica tudo sobre a personagem.
Não é o perfeitamente estruturado argumento nem a simpatia que temos pelas personagens que fazem desde Ratatouille um vencedor nato. É Bird que, qual mel para cinéfilos, nos dá algumas das mais belíssimas cenas que este ano verá. Remy a descobrir que está em Paris, Remy a tentar escapar-se dos perigos da cozinha e, principalmente, aquele magnífico final narrado por Peter O'Toole são um deleite para os sentidos e quantas vezes quiserem mais eficaz que qualquer posta de gags atirados ao público. Ainda mais notável é Bird saber não cair no dogmatismo norte-americano de "num filme para crianças não se deve mostrar isto ou aquilo", a tensão sexual entre Linguini e Colette está longe do livro de regras do produtor preocupado com os valores de família, a bebedeira de Linguini e consequente ressaca e mesmo próprio animal escolhido, o rato, que aqui não é limpo e caricaturado mas sujo, parasita e preparado para enfiar os dentes num pedaço de lixo homogéneo que, é de mim, ou se parecia um pouco com os hamburgueres de cadeias fast-food?
Ratatouille é de longe um dos melhores filmes deste ano e nem que apareçam 20 Casablancas até ao fim não acredito que lhe tirarão esta honra. O Óscar para a categoria está mais que dado, Bird deverá levar e impressiona tanto que me deixa mais do que nunca desejoso de ver o seu próximo projecto.
Tuesday, 23 October 2007
Tuesday, 9 October 2007
Superbad (2007)
de Greg Mottola
O "Jewpack" começou em 1999 quando Judd Apatow criou uma das mais brilhantes comédias de adolescentes que a televisão norte-americana. Infelizmente o mundo ainda não estava preparado e Freaks & Geeks foi infelizmente cancelado, mas Apatow tinha conseguido juntar um grupo de pessoas encabeçadas pelo multi-talentoso Seth Rogen e só precisaríamos de uns anos para que ele chegasse ao cinema com uma das comédias mais injustamente esquecidas no nosso país, 40-Year Old Virgin com um Steve Carell a começar a sua carreira no grande ecrã. O grupo volta atacar com a junção de alguns da equipa de outra fabulosa série de comédia norte-americana também cancelada prematuramente, Arrested Development, e o resultado chegou este ano. Esta produzida por Apatow e escrita por Rogen sai ao mesmo tempo que outro filme, Knocked Up, realizado por Apatow e protagonizada por Rogen e as duas (ainda não vi esta segunda) tomaram o verão norte-americano batendo os muito antecipados blockbusters e terceiros capítulos de sagas já edificadas e multi-milionárias.
A receita está no humanismo do "jewpack" que não para de nos surpreender na incisão das suas narrativas. Os filmes são feitos com o maior respeito pelas suas personagens e a tentativa de evitar em cair em lugares-comum, saída tão fácil para as comédias adolescentes. Sem seguir a linha do escatológico, Superbad é tudo aquilo que Judd Apatow e o seu grupo sempre nos habituaram e só essa simplicidade que eles nos costumam dar devia ser mais que motivo para que se começasse, de uma vez por todas, a dar valor a estes pioneiros da nova comédia americana.
A história segue um dia de dois rapazes, dois grandiosos Michael Cera e Jonah Hill, enquanto tentam arranjar álcool para uma festa para assim conquistar as raparigas-alvo para as suas primeiras experiências sexuais. A premissa parece ser American Pie de regresso, mas o argumento de Seth Rogen e as fabulosas interpretações de Cera, Hill e a grande revelação Christopher Mintz-Plasse (no já histórico McLovin) não deixam o filme ser apenas e só a premissa e ainda estamos nos créditos iniciais e já fica a sensação que existe algo de novo, quando o primeiro diálogo arranca, Jonah ao telefone com o Michael sobre que site porno ele se vai inscrever, a chapada de sinceridade ataca o espectador. Todas as personagens que aqui estão não são apenas imagens dos elementos da nossa adolescência nem ninguém se comporta daquela forma tão vã e desinteressante que Hollywood tanto gosta de apelas: não há feios nem bonitos, nem gordos nem magros, todas as personagens são iguais a si mesmas logo iguais a nós próprios. As mesmas inseguranças, o mesmo desespero de quem já teve 16 anos e as mesmas conversas repletas de linguagem menos própria porque, no fim, é assim que todos nós somos.
Apatow é só o produtor mas o espírito dele flutua na obra inteira como se ele confirmasse o seu estatuto de guro. No entanto é Rogen que, como argumentista e no papel de um dos polícias amigos de Fogell (McLovin a.k.a. Mintz-Plasse), se revela. O seu argumento é dos mais simples e sinceros que já se viu num filme de adolescentes desde o histórico The Breakfast Club de John Hughes e o seu sentido de humor é tão exagerado que tudo o que sai da boca de Jonah Hill parece ter saído, um dia, da de Seth Rogen.
Superbad está na pole-position das melhores comédias do ano. Acredito que muita gente não queira admitir o seu valor por ele atravessa aquela ténue linha de todos os outros filmes de adolescentes, mas nenhum deles tem o humanismo deste e nenhum deles admite que a temática principal é sexo porque quando estamos naquela idade não pensamos noutra coisa.
Salvé Apatow e o seu grupo. Quem ainda não os segue com devoção, que comece. Eu já aderi ao clube de fãs há muito tempo.
O "Jewpack" começou em 1999 quando Judd Apatow criou uma das mais brilhantes comédias de adolescentes que a televisão norte-americana. Infelizmente o mundo ainda não estava preparado e Freaks & Geeks foi infelizmente cancelado, mas Apatow tinha conseguido juntar um grupo de pessoas encabeçadas pelo multi-talentoso Seth Rogen e só precisaríamos de uns anos para que ele chegasse ao cinema com uma das comédias mais injustamente esquecidas no nosso país, 40-Year Old Virgin com um Steve Carell a começar a sua carreira no grande ecrã. O grupo volta atacar com a junção de alguns da equipa de outra fabulosa série de comédia norte-americana também cancelada prematuramente, Arrested Development, e o resultado chegou este ano. Esta produzida por Apatow e escrita por Rogen sai ao mesmo tempo que outro filme, Knocked Up, realizado por Apatow e protagonizada por Rogen e as duas (ainda não vi esta segunda) tomaram o verão norte-americano batendo os muito antecipados blockbusters e terceiros capítulos de sagas já edificadas e multi-milionárias.
A receita está no humanismo do "jewpack" que não para de nos surpreender na incisão das suas narrativas. Os filmes são feitos com o maior respeito pelas suas personagens e a tentativa de evitar em cair em lugares-comum, saída tão fácil para as comédias adolescentes. Sem seguir a linha do escatológico, Superbad é tudo aquilo que Judd Apatow e o seu grupo sempre nos habituaram e só essa simplicidade que eles nos costumam dar devia ser mais que motivo para que se começasse, de uma vez por todas, a dar valor a estes pioneiros da nova comédia americana.
A história segue um dia de dois rapazes, dois grandiosos Michael Cera e Jonah Hill, enquanto tentam arranjar álcool para uma festa para assim conquistar as raparigas-alvo para as suas primeiras experiências sexuais. A premissa parece ser American Pie de regresso, mas o argumento de Seth Rogen e as fabulosas interpretações de Cera, Hill e a grande revelação Christopher Mintz-Plasse (no já histórico McLovin) não deixam o filme ser apenas e só a premissa e ainda estamos nos créditos iniciais e já fica a sensação que existe algo de novo, quando o primeiro diálogo arranca, Jonah ao telefone com o Michael sobre que site porno ele se vai inscrever, a chapada de sinceridade ataca o espectador. Todas as personagens que aqui estão não são apenas imagens dos elementos da nossa adolescência nem ninguém se comporta daquela forma tão vã e desinteressante que Hollywood tanto gosta de apelas: não há feios nem bonitos, nem gordos nem magros, todas as personagens são iguais a si mesmas logo iguais a nós próprios. As mesmas inseguranças, o mesmo desespero de quem já teve 16 anos e as mesmas conversas repletas de linguagem menos própria porque, no fim, é assim que todos nós somos.
Apatow é só o produtor mas o espírito dele flutua na obra inteira como se ele confirmasse o seu estatuto de guro. No entanto é Rogen que, como argumentista e no papel de um dos polícias amigos de Fogell (McLovin a.k.a. Mintz-Plasse), se revela. O seu argumento é dos mais simples e sinceros que já se viu num filme de adolescentes desde o histórico The Breakfast Club de John Hughes e o seu sentido de humor é tão exagerado que tudo o que sai da boca de Jonah Hill parece ter saído, um dia, da de Seth Rogen.
Superbad está na pole-position das melhores comédias do ano. Acredito que muita gente não queira admitir o seu valor por ele atravessa aquela ténue linha de todos os outros filmes de adolescentes, mas nenhum deles tem o humanismo deste e nenhum deles admite que a temática principal é sexo porque quando estamos naquela idade não pensamos noutra coisa.
Salvé Apatow e o seu grupo. Quem ainda não os segue com devoção, que comece. Eu já aderi ao clube de fãs há muito tempo.
Saturday, 6 October 2007
Cinema Sul-Coreano
The Isle (2001)
de Kim Ki Duk
No começo do novo século era o cinema japonês que andava a mexer com o mundo. Não só no género do terror cujas novas normas foram inventadas pelo país do sol nascente (e desde então repetidas em todo o lado ad nauseum) mas também no reconhecimento crítico noutros pontos desde que Takeshi Kitano refazia os filmes dos yakuza no anos 90. A Coreia do Sul era apenas a "irmã mais nova"que se limitava a tentar aparecer no renascido mercado asiático. Não foi preciso esperar muito tempo para que o sul-coreanos chegassem à pole-position, se revelassem mais inovadores e são agora vários os realizadores desse país que os amantes do cinema asiático seguem com devoção, e cada vez menos artistas japoneses na lista.
Um dos pioneiros foi Kim Ki Duk que com este O Bordel Do Lago (triste título português dado, provavelmente, por quem não prestou atenção ao filme) anúncio a sua incursão pelo ecrãs mundiais numa carreira que até agora só se prova como muito bem sucedida.
A maior curiosidade foi como este filme entrou no mercado internacional, dentro de pacotes de cinema fantástico, que mais tarde, com os filme seguintes de Ki Duk, o catálogo seria provado erróneo quanto à verdadeira natureza do realizador. Compreendo porquê, no mesmo ano audition de Takashi Miike estava a fazer os mesmos festivais e as comparações entre os dois eram inevitáveis - os dois são duas histórias de amor condenado pautado por várias cenas de mutilação e tudo com um background daquela sensibilidade asiática que parece por vezes inatingíveis para nós, europeus.
A diferença entre os dois prova, no entanto, que o sul-coreano não se iria ficar pelos filmes de culto fantástico: os sentimentos das personagens de Ki Duk são centrais à narrativa e as cenas de mutilação somente consequências das suas acções.
Passado num enorme lago na Coreia do Sul onde homens se retiram para pequenas casinhas flutuantes espalhadas pelo centro do mesmo, Seom segue a jovem rapariga muda que trata dos ricos pescadores - leva-os para as suas respectivas casas no seu pequeno barco, transporta as prostitutas que eles encomendam por uma noite e por vezes dá ela favores sexuais por uns trocos mais. A chegada de um homem misterioso que não vai lá para pescar muda a rotina dela que se começa a apaixonar por ele aos bocados. E enquanto o tempo passa e eles se vão entre ajudando acabam por descobrir até onde são capazes de se auto-sacrificarem para que se possam escapar das consequências dos seus actos.
A falta de diálogos pelas personagens principais leva a acreditar que para Ki Duk a palavra é um bem desnecessário, quando o próprio protagonista descobre isso executa uma acção chocante que não por salva a sua vida como o aproxima da rapariga. Mas é Ki Duk quem prega essa filosofia, o seu filme é contemplativo mesmo em cenas de violação ou quando as personagens usam anzóis para outra coisa que não pescar.
Mas poderoso é o final, o último plano deixa o público a coçar a cabeça com a metáfora apresentada. Ki Duk gere tão bem a história que quando nos dá aquela conclusão obriga-nos a uma reflexão sobre o sacrifício espontâneo numa belíssima conclusão para esta história contemplativa.
Oldboy (2003)
de Chan-wook Park
Foi já há quatro anos que o cinema sul-coreano se edificou nas massas de uma forma que nem os contemporâneos japoneses tinha conseguido. E a grande confirmação foi este tour-de-force que já foi tão falado e escrito que é difícil encontrar alguém que goste de cinema que nunca tenha visto este segundo capítulo da trilogia da vingança de Park.
Baseado num manga japonês, Oldboy segue Oh Dae Su desde o dia em que é raptado nos anos 80, encarcerado num pequeno quarto, libertado 15 anos depois e a procura da vingança pelo responsável desse acto barbárico que o destruiu a sua vida. Mascarado pela vingança cega de Dae Su (cuja complexa resolução final revela um ainda maior acto de vingança do prevaricador final) o filme contrasta as duas Coreias-do-Sul, a sub-desenvolvida dos anos 80 e a nova moderna quase grande potência económica mundial. Com reflexos da antiga subjugação japonesa, a nova Coreia Do Sul é um local desconhecido para Dae Su da mesma forma que é para quem ainda se lembra do jovem país ocupado por forças japonesas antes da IIª Grande Guerra e como o país que renasceu das cinzas ainda guarda um certo rancor pelo passado, ironia das ironias, esta história-reflexo da Coreia parte uma premissa escrita por japoneses.
Ao longo dos anos Oldboy tem percorrido o mundo e encontrado fãs em todo o lado. De Tarantino que deu a Park o Grande Prémio do Júri em Cannes ao fenómeno criado por novos cinéfilos que elevaram este filme não só ao culto mas também ao panteão dos melhores filmes desta nova década. Dou-lhe todo o valor, claro. A dureza, e principalmente, frieza da história é elevada ao cubo na personagem de Dae Su, um protagonista que nem na categoria de anti-herói se consegue inserir é um bêbado desgraçado no começo e termina como alguém sem valores nenhuns cuja decisão final acaba por ser muito mais chocante que o próprio twist que o espera antes. Aliás, de certa forma é o vilão quem mais simpatia traz ao público, a dor que o atravessa é bem mais forte que a de Dae Su e a sua conclusão mais honorável.
Que dizer mais? Oldboy pôs definitivamente a Coreia do Sul no mapa e até agora nenhuma outra cinematografia asiática é tão excitante quanto a do sul da pequena península.
de Kim Ki Duk
No começo do novo século era o cinema japonês que andava a mexer com o mundo. Não só no género do terror cujas novas normas foram inventadas pelo país do sol nascente (e desde então repetidas em todo o lado ad nauseum) mas também no reconhecimento crítico noutros pontos desde que Takeshi Kitano refazia os filmes dos yakuza no anos 90. A Coreia do Sul era apenas a "irmã mais nova"que se limitava a tentar aparecer no renascido mercado asiático. Não foi preciso esperar muito tempo para que o sul-coreanos chegassem à pole-position, se revelassem mais inovadores e são agora vários os realizadores desse país que os amantes do cinema asiático seguem com devoção, e cada vez menos artistas japoneses na lista.
Um dos pioneiros foi Kim Ki Duk que com este O Bordel Do Lago (triste título português dado, provavelmente, por quem não prestou atenção ao filme) anúncio a sua incursão pelo ecrãs mundiais numa carreira que até agora só se prova como muito bem sucedida.
A maior curiosidade foi como este filme entrou no mercado internacional, dentro de pacotes de cinema fantástico, que mais tarde, com os filme seguintes de Ki Duk, o catálogo seria provado erróneo quanto à verdadeira natureza do realizador. Compreendo porquê, no mesmo ano audition de Takashi Miike estava a fazer os mesmos festivais e as comparações entre os dois eram inevitáveis - os dois são duas histórias de amor condenado pautado por várias cenas de mutilação e tudo com um background daquela sensibilidade asiática que parece por vezes inatingíveis para nós, europeus.
A diferença entre os dois prova, no entanto, que o sul-coreano não se iria ficar pelos filmes de culto fantástico: os sentimentos das personagens de Ki Duk são centrais à narrativa e as cenas de mutilação somente consequências das suas acções.
Passado num enorme lago na Coreia do Sul onde homens se retiram para pequenas casinhas flutuantes espalhadas pelo centro do mesmo, Seom segue a jovem rapariga muda que trata dos ricos pescadores - leva-os para as suas respectivas casas no seu pequeno barco, transporta as prostitutas que eles encomendam por uma noite e por vezes dá ela favores sexuais por uns trocos mais. A chegada de um homem misterioso que não vai lá para pescar muda a rotina dela que se começa a apaixonar por ele aos bocados. E enquanto o tempo passa e eles se vão entre ajudando acabam por descobrir até onde são capazes de se auto-sacrificarem para que se possam escapar das consequências dos seus actos.
A falta de diálogos pelas personagens principais leva a acreditar que para Ki Duk a palavra é um bem desnecessário, quando o próprio protagonista descobre isso executa uma acção chocante que não por salva a sua vida como o aproxima da rapariga. Mas é Ki Duk quem prega essa filosofia, o seu filme é contemplativo mesmo em cenas de violação ou quando as personagens usam anzóis para outra coisa que não pescar.
Mas poderoso é o final, o último plano deixa o público a coçar a cabeça com a metáfora apresentada. Ki Duk gere tão bem a história que quando nos dá aquela conclusão obriga-nos a uma reflexão sobre o sacrifício espontâneo numa belíssima conclusão para esta história contemplativa.
Oldboy (2003)
de Chan-wook Park
Foi já há quatro anos que o cinema sul-coreano se edificou nas massas de uma forma que nem os contemporâneos japoneses tinha conseguido. E a grande confirmação foi este tour-de-force que já foi tão falado e escrito que é difícil encontrar alguém que goste de cinema que nunca tenha visto este segundo capítulo da trilogia da vingança de Park.
Baseado num manga japonês, Oldboy segue Oh Dae Su desde o dia em que é raptado nos anos 80, encarcerado num pequeno quarto, libertado 15 anos depois e a procura da vingança pelo responsável desse acto barbárico que o destruiu a sua vida. Mascarado pela vingança cega de Dae Su (cuja complexa resolução final revela um ainda maior acto de vingança do prevaricador final) o filme contrasta as duas Coreias-do-Sul, a sub-desenvolvida dos anos 80 e a nova moderna quase grande potência económica mundial. Com reflexos da antiga subjugação japonesa, a nova Coreia Do Sul é um local desconhecido para Dae Su da mesma forma que é para quem ainda se lembra do jovem país ocupado por forças japonesas antes da IIª Grande Guerra e como o país que renasceu das cinzas ainda guarda um certo rancor pelo passado, ironia das ironias, esta história-reflexo da Coreia parte uma premissa escrita por japoneses.
Ao longo dos anos Oldboy tem percorrido o mundo e encontrado fãs em todo o lado. De Tarantino que deu a Park o Grande Prémio do Júri em Cannes ao fenómeno criado por novos cinéfilos que elevaram este filme não só ao culto mas também ao panteão dos melhores filmes desta nova década. Dou-lhe todo o valor, claro. A dureza, e principalmente, frieza da história é elevada ao cubo na personagem de Dae Su, um protagonista que nem na categoria de anti-herói se consegue inserir é um bêbado desgraçado no começo e termina como alguém sem valores nenhuns cuja decisão final acaba por ser muito mais chocante que o próprio twist que o espera antes. Aliás, de certa forma é o vilão quem mais simpatia traz ao público, a dor que o atravessa é bem mais forte que a de Dae Su e a sua conclusão mais honorável.
Que dizer mais? Oldboy pôs definitivamente a Coreia do Sul no mapa e até agora nenhuma outra cinematografia asiática é tão excitante quanto a do sul da pequena península.
Friday, 5 October 2007
Obituário
Morreu Charles B. Griffith
O escriba de vários filmes de série B trabalhou com o mestre Roger Corman em clássicos como The Little Shop Of Horrors original e Bucket Of Blood e ainda um dos co-autores de Death Race 2000. Há mais de uma década que não apresentava novos trabalhos mas o mundo da cinefilia está de luto em honra deste argumentista/realizador/produtor/actor.
O escriba de vários filmes de série B trabalhou com o mestre Roger Corman em clássicos como The Little Shop Of Horrors original e Bucket Of Blood e ainda um dos co-autores de Death Race 2000. Há mais de uma década que não apresentava novos trabalhos mas o mundo da cinefilia está de luto em honra deste argumentista/realizador/produtor/actor.
Planes, Trains And Automobiles
de John Hughes
É sempre uma tarefa quase ingrata analisar os filmes de Hughes. Ele que é conhecido por estar, no site do imdb, na lista dos melhores e dos piores filmes edificou-se como o mais importante realizador dos anos 80. Não em termos técnicos nem muito menos por ser um pioneiro mas as suas obras dessa década foram marcos para uma juventude que agora goza a idade adulta, ainda hoje até Matt Groening aponta referências atrás de referências ao seu amor por Breakfast Club e se em Portugal o realizador é esquecido para filmes da tarde da TVI nunca é demais relembrar que houve uma altura em que os adolescentes eram protagonistas sérios, o Steve Martin tinha piada e o John Candy era o tio que todos queríamos ter.
Planes, Trains And Automobiles não é a sua melhor obra. Será até daquelas que se podem considerar prazeres escondidos dentro da sua obra. Admito que não seja a área que Hughes controlasse melhor (ele domina a vida no liceu melhor que os "buddy movies") e que a promessa de Martin com Candy faça parecer que temos uma comédia de génio nas mãos mesmo quando no fim temos pura e simplesmente um "road movie" simples sem pretensões. É essa a palavra-chave da melhor cinematografia Hughesiana - falta de pretensões e apenas manter o espírito de uma história simples sem tentar exagerar nos mecanismos.
Passando uns dias antes do dia de Acção de Graças, o filme segue Neal Page (Steven Martin) enquanto tenta chegar a tempo para jantar com a família no feriado norte-americano. Mas uma série de azares atrasam constantemente os planos de Page que é obrigado a aceitar a ajuda do bem intencionado Del Griffith (John Candy), antípoda de Page mas com bom coração, claro. Premissa aceitável para uma série de acontecimentos ridículos com soluções delirantes. Sim, é o mesmo esquema de sempre mas com o bónus de estar um adorado ao leme, John Hughes é tão eficaz que não se pode ficar ofendido nem aborrecido com os seus filmes mas acima de tudo é a altura em que o filme foi feito. Ver este Planes, Trains and Automobiles é como pegar naqueles filmes que viamos quando tínhamos 7 anos só que ao contrário de Karate Kid, por exemplo, o filme não perde nenhum do seu encanto nem aparente vestígios de fraca qualidade.
É SÓ uma pequena obra eficaz à qual não se pode apontar nada de concreto e que ainda nos consegue dar algo de mais satisfatório que uma sensação de nostalgia.
(vou tentar fazer mais cinco posts até terça-feira para compensar o tempo perdido. O lado obscuro é não poder voltar a escrever os testamentos que antes fazia mas aí até deixo de gastar tanto o vosso tempo)
É sempre uma tarefa quase ingrata analisar os filmes de Hughes. Ele que é conhecido por estar, no site do imdb, na lista dos melhores e dos piores filmes edificou-se como o mais importante realizador dos anos 80. Não em termos técnicos nem muito menos por ser um pioneiro mas as suas obras dessa década foram marcos para uma juventude que agora goza a idade adulta, ainda hoje até Matt Groening aponta referências atrás de referências ao seu amor por Breakfast Club e se em Portugal o realizador é esquecido para filmes da tarde da TVI nunca é demais relembrar que houve uma altura em que os adolescentes eram protagonistas sérios, o Steve Martin tinha piada e o John Candy era o tio que todos queríamos ter.
Planes, Trains And Automobiles não é a sua melhor obra. Será até daquelas que se podem considerar prazeres escondidos dentro da sua obra. Admito que não seja a área que Hughes controlasse melhor (ele domina a vida no liceu melhor que os "buddy movies") e que a promessa de Martin com Candy faça parecer que temos uma comédia de génio nas mãos mesmo quando no fim temos pura e simplesmente um "road movie" simples sem pretensões. É essa a palavra-chave da melhor cinematografia Hughesiana - falta de pretensões e apenas manter o espírito de uma história simples sem tentar exagerar nos mecanismos.
Passando uns dias antes do dia de Acção de Graças, o filme segue Neal Page (Steven Martin) enquanto tenta chegar a tempo para jantar com a família no feriado norte-americano. Mas uma série de azares atrasam constantemente os planos de Page que é obrigado a aceitar a ajuda do bem intencionado Del Griffith (John Candy), antípoda de Page mas com bom coração, claro. Premissa aceitável para uma série de acontecimentos ridículos com soluções delirantes. Sim, é o mesmo esquema de sempre mas com o bónus de estar um adorado ao leme, John Hughes é tão eficaz que não se pode ficar ofendido nem aborrecido com os seus filmes mas acima de tudo é a altura em que o filme foi feito. Ver este Planes, Trains and Automobiles é como pegar naqueles filmes que viamos quando tínhamos 7 anos só que ao contrário de Karate Kid, por exemplo, o filme não perde nenhum do seu encanto nem aparente vestígios de fraca qualidade.
É SÓ uma pequena obra eficaz à qual não se pode apontar nada de concreto e que ainda nos consegue dar algo de mais satisfatório que uma sensação de nostalgia.
(vou tentar fazer mais cinco posts até terça-feira para compensar o tempo perdido. O lado obscuro é não poder voltar a escrever os testamentos que antes fazia mas aí até deixo de gastar tanto o vosso tempo)
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